Urântia

OS DOCUMENTOS DE URÂNTIA

- A REVELAÇÃO DO TERCEIRO MILÊNIO -

INDICE

Documento 177

Quarta-Feira, o Dia de Descanso

177:0.1 (1920.1) Quando o trabalho de ensinar o povo não os pressionava, era costume de Jesus e dos seus apóstolos descansar dos seus labores todas as quartas-feiras. Nesta quarta-feira em particular tomaram o desjejum um pouco mais tarde do que o habitual, e o acampamento estava permeado por um silêncio sinistro; pouco foi dito durante a primeira metade desta refeição matinal. Por fim Jesus falou: “Desejo que vocês descansem hoje. Reservem um tempo para pensar em tudo o que aconteceu desde que chegamos a Jerusalém e meditem no que está logo adiante, do que eu lhes contei claramente. Certifiquem-se de que a verdade permaneça em suas vidas e que vocês cresçam diariamente em graça”.

177:0.2 (1920.2) Depois do desjejum o Mestre informou a André que pretendia ausentar-se durante o dia e sugeriu que fosse permitido aos apóstolos passar o tempo de acordo com sua própria escolha, exceto que sob nenhuma circunstância deveriam passar para dentro dos portões de Jerusalém.

177:0.3 (1920.3) Quando Jesus se preparou para ir sozinho para as colinas, Davi Zebedeu abordou-o, dizendo: “Você bem sabe, Mestre, que os fariseus e os governantes procuram destruí-lo, e mesmo assim você se prepara para ir sozinho para as colinas. Fazer isso é loucura; portanto, enviarei com você três homens bem preparados para garantir que nenhum mal lhe aconteça”. Jesus olhou para os três galileus bem armados e robustos e disse a Davi: “Você tem boas intenções, mas erra por não entender que o Filho do Homem não precisa de ninguém para defendê-lo. Ninguém porá as mãos sobre mim até a hora em que eu estiver pronto para entregar a minha vida em conformidade com a vontade do meu Pai. Estes homens não podem me acompanhar. Desejo ir sozinho, para poder comungar com o Pai”.

177:0.4 (1920.4) Ao ouvir estas palavras, Davi e os seus guardas armados retiraram-se; mas assim que Jesus partiu sozinho, João Marcos avançou com uma pequena cesta contendo comida e água e sugeriu que, se ele pretendesse ficar fora o dia todo, poderia sentir fome. O Mestre sorriu para João e se abaixou para pegar a cesta.

 

1. Um Dia a Sós com Deus

 

177:1.1 (1920.5) Quando Jesus estava prestes a tirar a cesta do almoço das mãos de João, o jovem aventurou-se a dizer: “Mas, Mestre, você pode deixar a cesta no chão enquanto se afasta para orar e continuar sem ela. Além disso, se eu fosse junto para carregar o almoço, você teria mais liberdade para adorar, e eu certamente ficarei em silêncio. Não farei perguntas e ficarei ao lado da cesta quando você se afastar a sós para orar”.

177:1.2 (1920.6) Ao fazer este discurso, cuja temeridade surpreendeu alguns dos ouvintes próximos, João se atreveu a segurar a cesta. Lá estavam eles, tanto João quanto Jesus segurando a cesta. Logo o Mestre a soltou e, olhando abaixo para o rapaz, disse: “Já que você deseja de todo o coração ir comigo, isso não lhe será negado. Iremos sozinhos e teremos uma boa confraternização. Você pode me fazer qualquer pergunta que surgir em seu coração e nos confortaremos e consolaremos um ao outro. Você pode começar carregando o almoço e, quando ficar cansado, eu o ajudarei. Continue comigo”.

177:1.3 (1921.1) Jesus só retornou ao acampamento naquela tardinha depois do pôr do sol. O Mestre passou este último dia de tranquilidade na Terra confraternizando com este jovem faminto pela verdade e conversando com seu Pai do Paraíso. Este evento tornou-se conhecido no alto como “o dia que um jovem passou com Deus nas colinas”. Esta ocasião exemplifica para sempre a disposição do Criador de ter comunhão com a criatura. Mesmo um adolescente, se o desejo do coração for realmente supremo, pode comandar a atenção e desfrutar da companhia amorosa do Deus de um universo, realmente experienciar o êxtase inesquecível de estar a sós com Deus nas colinas, e por um dia inteiro. E tal foi a experiência única de João Marcos nesta quarta-feira nas colinas da Judeia.

177:1.4 (1921.2) Jesus confraternizou muito com João, conversando livremente sobre os assuntos deste mundo e do próximo. João disse a Jesus o quanto ele lamentava não ter idade suficiente para ser um dos apóstolos e expressou seu grande apreço por ter sido autorizado a continuar com eles desde a primeira pregação deles no Vau do Jordão, perto de Jericó, exceto durante a viagem para a Fenícia. Jesus advertiu o rapaz para não ficar desanimado com os acontecimentos iminentes e garantiu-lhe que viveria para se tornar um poderoso mensageiro do reino.

177:1.5 (1921.3) João Marcos ficou emocionado pela memória deste dia com Jesus nas colinas, mas nunca esqueceu a advertência final do Mestre, feita exatamente quando estavam prestes a retornar ao acampamento do Getsêmani, quando ele disse: “Bem, João, tivemos um boa confraternização, um verdadeiro dia de descanso, mas tome cuidado para não contar a ninguém as coisas que eu lhe contei”. E João Marcos nunca revelou nada do que aconteceu neste dia que ele passou com Jesus nas colinas.

177:1.6 (1921.4) Durante as poucas horas restantes da vida terrena de Jesus, João Marcos nunca permitiu que o Mestre saísse da sua vista por muito tempo. O rapaz sempre estava escondido por perto; dormia apenas quando Jesus dormia.

 

2. Vida Doméstica Inicial

 

177:2.1 (1921.5) Durante a confraternização daquele dia com João Marcos, Jesus passou um tempo considerável comparando as experiências deles da primeira infância e puberdade. Embora os pais de João possuíssem mais bens deste mundo do que os pais de Jesus, houve muita experiência na infância deles que foi muito semelhante. Jesus disse muitas coisas que ajudaram João a compreender melhor seus pais e outros membros de sua família. Quando o rapaz perguntou ao Mestre como ele poderia saber que se tornaria um “poderoso mensageiro do reino”, Jesus disse:

177:2.2 (1921.6) “Sei que você provará ser leal ao evangelho do reino porque posso confiar na sua fé e amor atuais quando estas qualidades estão fundamentadas num treinamento tão precoce como o que tem sido a sua parcela em casa. Você é o produto de um lar onde os pais demonstram uma afeição mútua sincera e, portanto, você não foi amado demais a ponto de exaltar de forma prejudicial seu conceito de autoimportância. Nem a sua personalidade sofreu distorção em consequência das manobras desamorosas dos seus pais em busca da sua confiança e lealdade, um contra o outro. Você desfrutou daquele amor paternal que garante uma louvável autoconfiança e que promove sentimentos normais de segurança. Mas você também teve a sorte de seus pais possuírem tanto sabedoria quanto amor; e foi a sabedoria que os levou a negar a maioria das formas de indulgência e muitos luxos que a riqueza pode comprar enquanto eles o mandavam para a escola da sinagoga junto com seus companheiros de brincadeira da vizinhança, e eles também o incentivaram a aprender como viver neste mundo, permitindo-lhe ter experiência original. Você veio ao Jordão, onde pregávamos e os discípulos de João batizavam, com seu jovem amigo Amós. Vocês dois desejaram ir conosco. Quando você voltou para Jerusalém, seus pais consentiram; os pais de Amós recusaram; eles amavam tanto seu filho que negaram-lhe a experiência abençoada que você teve, aquela de que você desfruta ainda hoje. Ao fugir de casa, Amós poderia ter-se juntado a nós, mas ao fazê-lo teria ferido o amor e sacrificado a lealdade. Mesmo que tal curso tivesse sido sábio, teria sido um preço terrível a pagar pela experiência, independência e liberdade. Pais sábios, como os seus, cuidam para que seus filhos não tenham que ferir o amor ou reprimir a lealdade para desenvolverem independência e desfrutarem de uma liberdade revigorante quando atingirem a sua idade.

177:2.3 (1922.1) “O amor, João, é a realidade suprema do universo quando concedido por seres oniscientes, mas é uma característica perigosa e, muitas vezes, semi-egoísta, do modo como se manifesta na experiência de pais mortais. Quando se casar e tiver seus próprios filhos para criar, certifique-se de que seu amor seja admoestado pela sabedoria e guiado pela inteligência.

177:2.4 (1922.2) “Seu jovem amigo Amós acredita neste evangelho do reino tanto quanto você, mas não posso confiar totalmente nele; não tenho certeza sobre o que ele fará nos anos vindouros. Sua vida doméstica inicial não foi tal que produzisse uma pessoa inteiramente confiável. Amós é muito parecido com um dos apóstolos que não conseguiu desfrutar de uma formação doméstica normal, amorosa e sábia. Toda a sua vida posterior será mais feliz e confiável porque você passou os primeiros oito anos num lar normal e bem ordenado. Você possui um caráter forte e bem integrado porque cresceu num lar onde o amor prevalecia e a sabedoria reinava. Essa formação na infância produz um tipo de lealdade que me garante que você seguirá o caminho que iniciou.”

177:2.5 (1922.3) Por mais de uma hora Jesus e João continuaram esta conversa sobre a vida doméstica. O Mestre prosseguiu explicando a João como uma criança é inteiramente dependente de seus pais e da respectiva vida doméstica para todos os seus primeiros conceitos de tudo que é intelectual, social, moral e até mesmo espiritual, uma vez que a família representa para a criança pequena tudo o que ela pode primeiro conhecer das relações tanto humanas quanto divinas. A criança tem que derivar suas primeiras impressões do universo dos cuidados da mãe; a criança é totalmente dependente do pai terreno para suas primeiras ideias sobre o Pai celestial. A vida subsequente da criança torna-se feliz ou infeliz, fácil ou difícil, de acordo com a sua vida mental e emocional inicial, condicionada por estas relações sociais e espirituais do lar. Toda a vida posterior de um ser humano é enormemente influenciada pelo que acontece durante os primeiros anos de existência.

177:2.6 (1922.4) É nossa crença sincera que o evangelho dos ensinamentos de Jesus, fundado como está no relacionamento pai-filho, dificilmente poderá desfrutar de uma aceitação mundial até que chegue o momento em que a vida doméstica dos povos civilizados modernos abranja mais amor e mais sabedoria. Apesar de os pais do século 20 possuírem grande conhecimento e verdade aumentada para melhorar o lar e enobrecer a vida doméstica, continua sendo um fato que pouquíssimos lares modernos são lugares tão bons para criar garotos e garotas como o lar de Jesus na Galileia e a casa de João Marcos na Judeia, embora a aceitação do evangelho de Jesus resulte na melhoria imediata da vida doméstica. A vida amorosa de um lar sábio e a devoção leal da religião verdadeira exercem uma profunda influência recíproca e mútua. Tal vida familiar realça a religião, e a religião genuína sempre glorifica o lar.

177:2.7 (1923.1) É verdade que muitas das influências restritivas questionáveis e outras características limitativas destes antigos lares judaicos foram virtualmente eliminadas de muitos dos lares modernos mais bem ordenados. Há, de fato, mais independência espontânea e muito mais liberdade pessoal, mas esta liberdade não está restringida pelo amor, motivada pela lealdade, nem orientada pela disciplina inteligente da sabedoria. Enquanto ensinarmos a criança a orar: “Pai Nosso que estás no céu”, uma tremenda responsabilidade recai sobre todos os pais terrenos de viver e ordenar seus lares de modo que a palavra pai se torne dignamente consagrada nas mentes e corações de todas as crianças em crescimento.

 

3. O Dia no Acampamento

 

177:3.1 (1923.2) Os apóstolos passaram a maior parte do dia caminhando pelo Monte das Oliveiras e confraternizando com os discípulos que estavam acampados com eles, mas no início da tarde ficaram muito desejosos de ver Jesus retornar. À medida que o dia passava, eles ficaram cada vez mais preocupados com a segurança dele; eles se sentiam inexprimivelmente solitários sem ele. Houve muito debate ao longo do dia sobre se o Mestre deveria ter sido autorizado a sair sozinho pelas colinas, acompanhado apenas por um rapaz de recados. Embora nenhum homem expressasse abertamente seus pensamentos, não houve nenhum deles, exceto Judas Iscariotes, que não desejasse estar no lugar de João Marcos.

177:3.2 (1923.3) Era por volta do meio da tarde quando Natanael fez o seu discurso sobre o “Desejo Supremo” para cerca de meia dúzia de apóstolos e outros tantos discípulos, cujo final foi: “O que há de errado com a maioria de nós é que somos apenas mornos. Fracassamos em amar o Mestre como ele nos ama. Se todos nós quiséssemos ir com ele tanto quanto João Marcos, ele certamente nos teria levado a todos. Ficamos parados enquanto o rapaz se aproximava do Mestre e lhe oferecia a cesta, mas quando o Mestre a segurou, o rapaz não a soltou. E então o Mestre nos deixou aqui enquanto foi para as montanhas com a cesta, o garoto e tudo”.

177:3.3 (1923.4) Por volta das quatro horas, mensageiros chegaram até Davi Zebedeu trazendo-lhe notícias da sua mãe em Betsaida e da mãe de Jesus. Vários dias antes Davi havia decidido que os principais sacerdotes e dirigentes iriam matar Jesus. Davi sabia que eles estavam determinados a destruir o Mestre, e estava quase convencido de que Jesus não exerceria o seu poder divino para se salvar, nem permitiria que os seus seguidores empregassem a força em sua defesa. Tendo chegado a estas conclusões, ele não perdeu tempo em enviar um mensageiro à sua mãe, instando-a a vir imediatamente a Jerusalém e a trazer Maria, a mãe de Jesus, e todos os membros da família dele.

177:3.4 (1923.5) A mãe de Davi fez o que o filho havia pedido, e agora os mensageiros voltaram até Davi trazendo a notícia de que sua mãe e toda a família de Jesus estavam a caminho de Jerusalém e que deveriam chegar o mais tardar no dia seguinte ou muito cedo na manhã subsequente. Visto que Davi fez isso por iniciativa própria, ele achou prudente guardar o assunto para si mesmo. Portanto, não contou a ninguém que a família de Jesus estava a caminho de Jerusalém.

177:3.5 (1924.1) Pouco depois do meio-dia, mais de vinte dos gregos que haviam se encontrado com Jesus e os doze na casa de José de Arimateia chegaram ao acampamento, e Pedro e João passaram várias horas em conferência com eles. Estes gregos, pelo menos alguns deles, estavam bem avançados no conhecimento do reino, tendo sido instruídos por Rodan em Alexandria.

177:3.6 (1924.2) Naquela noite, depois de retornar ao acampamento, Jesus confraternizou com os gregos, e se tal atitude não tivesse perturbado grandemente os seus apóstolos e muitos dos seus principais discípulos, ele teria ordenado estes vinte gregos, tal como havia feito aos setenta.

177:3.7 (1924.3) Enquanto tudo isto acontecia no acampamento, em Jerusalém, os principais  sacerdotes e os anciãos ficaram surpreendidos porque Jesus não voltou para se dirigir às multidões. É verdade que no dia anterior, ao sair do templo, ele havia dito: “Deixo sua casa desolada para vocês”. Mas eles não conseguiam entender por que ele estaria disposto a renunciar à grande vantagem que havia acumulado na atitude amigável das multidões. Embora temessem que ele provocasse um tumulto entre o povo, as últimas palavras do Mestre à multidão foram uma exortação para se conformarem de todas as maneiras razoáveis com a autoridade daqueles “que se sentam no assento de Moisés”. Mas era um dia atarefado na cidade enquanto eles se preparavam simultaneamente para a Páscoa e aperfeiçoavam os seus planos para destruir Jesus.

177:3.8 (1924.4) Não vieram muitas pessoas ao acampamento, pois a sua montagem havia sido mantida como um segredo bem guardado por todos os que sabiam que Jesus esperava ficar ali em vez de sair todas as noites para Betânia.

 

4. Judas e os Sacerdotes Principais

 

177:4.1 (1924.5) Pouco depois de Jesus e João Marcos terem deixado o acampamento, Judas Iscariotes desapareceu do meio dos seus irmãos, só retornando no final da tarde. Este apóstolo confuso e descontente, apesar do pedido específico do seu Mestre para que se abstivesse de entrar em Jerusalém, foi apressadamente ao encontro combinado com os inimigos de Jesus na casa do sumo sacerdote Caifás. Esta foi uma reunião informal do Sinédrio e havia sido marcada para pouco depois das dez horas daquela manhã. Esta reunião foi convocada para discutir a natureza das acusações que deveriam ser apresentadas contra Jesus e para decidir sobre o procedimento a ser empregado para levá-lo perante as autoridades romanas com o propósito de garantir a necessária confirmação civil da sentença de morte que já havia sido proferida contra ele.

177:4.2 (1924.6) No dia anterior Judas havia revelado a alguns de seus parentes e a certos amigos saduceus da família de seu pai que havia chegado à conclusão de que, embora Jesus fosse um sonhador e um idealista bem-intencionado, ele não era o esperado libertador de Israel. Judas afirmou que gostaria muito de encontrar uma forma de se retirar graciosamente de todo o movimento. Seus amigos lhe garantiram lisonjeiramente que sua retirada seria saudada pelos governantes judeus como um grande acontecimento e que nada seria bom demais para ele. Eles o levaram a acreditar que receberia imediatamente altas honrarias do Sinédrio e que finalmente estaria em posição de apagar o estigma de sua bem-intencionada, mas “infeliz associação com galileus incultos”.

177:4.3 (1924.7) Judas não conseguia realmente acreditar que as obras poderosas do Mestre tivessem sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios, mas agora estava plenamente convencido de que Jesus não exerceria o seu poder em autoengrandecimento; ele estava finalmente convencido de que Jesus se deixaria destruir pelos governantes judeus, e não podia suportar o pensamento humilhante de ser identificado com um movimento de derrota. Ele se recusou a aceitar a ideia de aparente fracasso. Ele compreendia perfeitamente o caráter robusto de seu Mestre e a perspicácia daquela mente majestosa e misericordiosa, mas sentia prazer até mesmo com o entretenimento parcial da sugestão de um de seus parentes de que Jesus, embora fosse um fanático bem-intencionado, provavelmente não era realmente de mente sã; que ele sempre parecera uma pessoa estranha e incompreendida.

177:4.4 (1925.1) E agora, mais do que nunca, Judas viu-se ficando estranhamente ressentido por Jesus nunca lhe haver atribuído uma posição de maior honraria. O tempo todo ele apreciara a honra de ser o tesoureiro apostólico, mas agora começava a sentir que não era valorizado; que suas habilidades não eram reconhecidas. De repente, ele foi tomado de indignação pelo fato de Pedro, Tiago e João terem sido honrados com uma associação íntima com Jesus, e neste momento, quando estava a caminho da casa do sumo sacerdote, ele estava mais empenhado em se desforrar de Pedro, Tiago e João do que preocupado com qualquer pensamento de trair Jesus. Mas acima de tudo, precisamente aí, um pensamento novo e dominante começou a ocupar a vanguarda de sua mente consciente: ele havia decidido obter honraria para si mesmo, e se isto pudesse ser garantido simultaneamente com se desforrar daqueles que haviam contribuído para a maior decepção de sua vida, tanto melhor. Ele foi tomado por uma terrível conspiração de confusão, orgulho, desespero e determinação. E, portanto, tem que ficar claro que não foi por dinheiro que Judas estava então a caminho da casa de Caifás para preparar a traição a Jesus.

177:4.5 (1925.2) Ao aproximar-se da casa de Caifás, Judas chegou à decisão final de abandonar Jesus e os seus companheiros apóstolos; e tendo assim decidido desertar a causa do reino do céu, ele ficou determinado a assegurar para si o máximo possível daquela honraria e glória que pensava que algum dia seria sua quando se identificou pela primeira vez com Jesus e o novo evangelho do reino. Todos os apóstolos haviam já compartilhado desta ambição com Judas, mas com o passar do tempo aprenderam a admirar a verdade e a amar Jesus, pelo menos mais do que Judas.

177:4.6 (1925.3) O traidor foi apresentado a Caifás e aos governantes judeus por seu primo, que explicou que Judas, tendo descoberto o seu erro ao se deixar enganar pelo ensinamento sutil de Jesus, havia chegado ao ponto onde desejava fazer uma renúncia pública e formal à sua associação com o galileu e, ao mesmo tempo, pedir a reintegração na confiança e na comunhão dos seus irmãos judeus. Este porta-voz de Judas explicou ainda que Judas reconheceu que seria melhor para a paz de Israel se Jesus fosse levado sob custódia, e que, como prova do seu pesar por ter participado num tal movimento de erro e como prova da sua sinceridade ao retornar agora aos ensinamentos de Moisés, ele tinha vindo se oferecer ao Sinédrio como alguém que poderia combinar com o capitão que dava as ordens para a prisão de Jesus que ele pudesse ser levado sob custódia discretamente, evitando assim qualquer perigo de agitação das multidões ou a necessidade de adiar a sua prisão para depois da Páscoa.

177:4.7 (1925.4) Quando seu primo terminou de falar, ele apresentou Judas, que, aproximando-se do sumo sacerdote, disse: “Tudo o que meu primo prometeu, eu farei, mas o que vocês estão dispostos a me dar por este serviço?” Judas não pareceu discernir o olhar de desdém e até de nojo que surgiu no rosto do insensível e vaidoso Caifás; seu coração estava muito voltado para a glória própria e para o anseio pela satisfação da exaltação de si mesmo.

177:4.8 (1926.1) E então Caifás olhou abaixo para o traidor enquanto dizia: “Judas, vá até o capitão da guarda e combine com esse oficial para trazer o seu Mestre até nós esta noite ou amanhã à noite e, quando ele tiver sido entregue por você em nossas mãos, você receberá sua recompensa por este serviço”. Quando Judas ouviu isto, saiu da presença dos principais sacerdotes e dirigentes e aconselhou-se com o capitão dos guardas do templo sobre a maneira pela qual Jesus deveria ser aprisionado. Judas sabia que Jesus estava então ausente do acampamento e não tinha ideia de quando ele retornaria naquela noite, então eles concordaram entre si prender Jesus na noite seguinte (quinta-feira), depois que o povo de Jerusalém e todos os peregrinos visitantes se houvessem recolhido para a noite.

177:4.9 (1926.2) Judas retornou para os seus companheiros no acampamento embriagado com pensamentos de grandeza e glória como ele não tinha há muitos dias. Ele havia se alistado com Jesus na esperança de um dia se tornar um grande homem no novo reino. Finalmente percebeu que não haveria um novo reino como ele havia previsto. Mas se alegrou por ser tão sagaz a ponto de trocar seu desapontamento por não ter conseguido alcançar a glória num novo reino antecipado pela realização imediata de honraria e recompensa na velha ordem, que ele agora acreditava que sobreviveria, e a qual ele estava certo de que destruiria Jesus e tudo o que este representava. No seu último motivo de intenção consciente, a traição de Judas a Jesus foi o ato covarde de um desertor egoísta cujo único pensamento era a sua própria segurança e glorificação, quaisquer que fossem os resultados da sua conduta para com o seu Mestre e para com os seus antigos associados.

177:4.10 (1926.3) Mas sempre foi exatamente assim. Judas há muito estava engajado nesta consciência deliberada, persistente, egoísta e vingativa de construir progressivamente em sua mente e alimentar em seu coração estes desejos odiosos e malignos de vingança e deslealdade. Jesus amou e confiou em Judas, assim como amou e confiou nos outros apóstolos, mas Judas não conseguiu desenvolver uma confiança leal e, em troca, experimentar um amor de todo o coração. E quão perigosa a ambição pode se tornar quando está integralmente casada ao egoísmo e supremamente motivada por uma vingança taciturna e há muito reprimida! Que coisa esmagadora é a decepção na vida daquelas pessoas tolas que, ao fixarem o olhar nas seduções sombrias e evanescentes do tempo, ficam cegas para as realizações mais elevadas e mais reais das conquistas eternas dos mundos eternos dos valores divinos e das realidades espirituais verdadeiras. Judas ansiava pelas honrarias mundanas em sua mente e passou a amar esse desejo de todo o coração; os outros apóstolos também ansiavam por essa mesma honra mundana em suas mentes, mas amavam Jesus de coração e faziam o melhor que podiam para aprender a amar as verdades que ele lhes ensinava.

177:4.11 (1926.4) Judas não percebeu isso naquele momento, mas sempre tinha sido um crítico subconsciente de Jesus desde que João Batista foi decapitado por Herodes. No fundo do seu coração Judas sempre se ressentiu do fato de Jesus não ter salvado João. Não devem esquecer que Judas havia sido discípulo de João antes de se tornar um seguidor de Jesus. E todas estas acumulações de ressentimento humano e amarga decepção que Judas havia depositado em sua alma em vestes de ódio estavam agora bem organizadas em sua mente subconsciente e prontas para brotar e engoli-lo quando ele ousasse separar-se da influência do apoio dos seus irmãos, expondo-se ao mesmo tempo às insinuações espertas e ao escárnio sutil dos inimigos de Jesus. Cada vez que Judas permitia que suas esperanças voassem alto e Jesus fazia ou dizia algo para despedaçá-las, sempre ficava no coração de Judas uma cicatriz de amargo ressentimento; e à medida que essas cicatrizes se multiplicavam, logo aquele coração, tantas vezes ferido, perdia toda a afeição verdadeira por aquele que havia infligido essa experiência desagradável a uma personalidade bem-intencionada, mas covarde e egocêntrica. Judas não o percebia, mas era um covarde. Consequentemente, ele sempre esteve inclinado a atribuir a covardia a Jesus como o motivo que o levou tantas vezes a recusar buscar o poder ou a glória quando aparentemente estavam ao seu alcance. E todo homem mortal sabe muito bem como o amor, mesmo quando uma vez genuíno, pode, por meio da decepção, do ciúme e do ressentimento prolongado, acabar se transformando de fato em ódio.

177:4.12 (1927.1) Finalmente, os principais sacerdotes e os anciãos puderam respirar facilmente por algumas horas. Eles não teriam que aprisionar Jesus em público, e ao assegurar Judas como um aliado traidor garantia que Jesus não escaparia da jurisdição deles, como havia feito tantas vezes no passado.

 

5. A Última Hora Social

 

177:5.1 (1927.2) Como era quarta-feira, esta noite no acampamento era uma hora social. O Mestre esforçou-se para animar seus abatidos apóstolos, mas isso era quase impossível. Todos começavam a perceber que acontecimentos desconcertantes e devastadores eram iminentes. Eles não conseguiam ficar alegres, mesmo quando o Mestre relatava seus anos de convivência cheia de acontecimentos e amor. Jesus fez uma inquirição atenciosa sobre as famílias de todos os apóstolos e, olhando para Davi Zebedeu, perguntou se alguém tinha tido notícias recentes de sua mãe, de sua irmã mais nova ou de outros membros de sua família. Davi olhou para os pés; estava com medo de responder.

177:5.2 (1927.3) Esta foi a ocasião em que Jesus advertiu os seus seguidores para que tomassem cuidado com o apoio da multidão. Ele relembrou as experiências deles na Galileia, quando, vez após vez, grandes multidões de pessoas os seguiam com entusiasmo e então, com o mesmo ardor, se voltaram contra eles e retornaram aos seus antigos modos de acreditar e de viver. E depois disse: “E por isso vocês não podem se deixar enganar pelas grandes multidões que nos ouviram no templo e que pareciam acreditar em nossos ensinamentos. Essas multidões ouvem a verdade e acreditam nela superficialmente com as suas mentes, mas poucos deles permitem que a palavra da verdade penetre no coração com raízes vivas. Não se pode contar com o apoio daqueles que conhecem o evangelho apenas na mente e que não o experimentaram no coração quando vierem os problemas reais. Quando os governantes dos judeus chegarem a um acordo para destruir o Filho do Homem, e quando eles atacarem de comum acordo, vocês verão a multidão fugir em desânimo ou então ficar parada em silencioso espanto enquanto estes governantes enlouquecidos e cegos conduzem os instrutores da verdade do evangelho para a sua morte. E então, quando a adversidade e a perseguição caírem sobre vocês, ainda outros que vocês acham que amam a verdade serão dispersos, e alguns renunciarão ao evangelho e abandonarão vocês. Alguns que estiveram muito próximos de nós já decidiram desertar. Vocês descansaram hoje em preparação para os tempos que estão agora sobre nós. Vigiem, portanto, e orem para que amanhã vocês possam estar fortalecidos para os dias que estão logo adiante”.

 

 

177:5.3 (1927.4) A atmosfera do acampamento estava carregada de uma tensão inexplicável. Mensageiros silenciosos iam e vinham, comunicando-se apenas com Davi Zebedeu. Antes que a noite terminasse, alguns souberam que Lázaro havia fugido apressadamente de Betânia. João Marcos ficou sombriamente silencioso depois de retornar ao acampamento, apesar de ter passado o dia inteiro na companhia do Mestre. Todo esforço para persuadi-lo a falar apenas indicava claramente que Jesus lhe havia dito para não falar.

 

177:5.4 (1928.1) Até mesmo o bom humor do Mestre e a sua sociabilidade inusitada os assustaram. Todos sentiam a aproximação certa do terrível isolamento que perceberam estar prestes a cair com uma rapidez estrondosa e um terror inescapável. Eles pressentiam vagamente o que estava por vir e ninguém se sentia preparado para enfrentar a prova. O Mestre estivera ausente o dia todo; eles sentiram tremendamente falta dele.

 

177:5.5 (1928.2) Esta quarta-feira à noite foi o ponto baixo da condição espiritual deles, até a hora de fato da morte do Mestre. Embora o dia seguinte fosse um dia ainda mais perto da trágica sexta-feira, ele ainda estava com eles, e passaram pelas horas de ansiedade mais graciosamente.

 

 

177:5.6 (1928.3) Foi pouco antes da meia-noite quando Jesus, sabendo que esta seria a última noite que passaria dormindo com a sua família escolhida na Terra, disse, enquanto os dispersava para a noite: “Vão dormir, meus irmãos, e a paz esteja com vocês até que nos levantemos amanhã, mais um dia para fazer a vontade do Pai e experienciar a alegria de saber que somos Seus filhos”.

 

Paper 177

Wednesday, the Rest Day

177:0.1 (1920.1) WHEN the work of teaching the people did not press them, it was the custom of Jesus and his apostles to rest from their labors each Wednesday. On this particular Wednesday they ate breakfast somewhat later than usual, and the camp was pervaded by an ominous silence; little was said during the first half of this morning meal. At last Jesus spoke: “I desire that you rest today. Take time to think over all that has happened since we came to Jerusalem and meditate on what is just ahead, of which I have plainly told you. Make sure that the truth abides in your lives, and that you daily grow in grace.”

177:0.2 (1920.2) After breakfast the Master informed Andrew that he intended to be absent for the day and suggested that the apostles be permitted to spend the time in accordance with their own choosing, except that under no circumstances should they go within the gates of Jerusalem.

177:0.3 (1920.3) When Jesus made ready to go into the hills alone, David Zebedee accosted him, saying: “You well know, Master, that the Pharisees and rulers seek to destroy you, and yet you make ready to go alone into the hills. To do this is folly; I will therefore send three men with you well prepared to see that no harm befalls you.” Jesus looked over the three well-armed and stalwart Galileans and said to David: “You mean well, but you err in that you fail to understand that the Son of Man needs no one to defend him. No man will lay hands on me until that hour when I am ready to lay down my life in conformity to my Father’s will. These men may not accompany me. I desire to go alone, that I may commune with the Father.”

177:0.4 (1920.4) Upon hearing these words, David and his armed guards withdrew; but as Jesus started off alone, John Mark came forward with a small basket containing food and water and suggested that, if he intended to be away all day, he might find himself hungry. The Master smiled on John and reached down to take the basket.


1. One Day Alone with God


177:1.1 (1920.5) As Jesus was about to take the lunch basket from John’s hand, the young man ventured to say: “But, Master, you may set the basket down while you turn aside to pray and go on without it. Besides, if I should go along to carry the lunch, you would be more free to worship, and I will surely be silent. I will ask no questions and will stay by the basket when you go apart by yourself to pray.”

177:1.2 (1920.6) While making this speech, the temerity of which astonished some of the near-by listeners, John had made bold to hold on to the basket. There they stood, both John and Jesus holding the basket. Presently the Master let go and, looking down on the lad, said: “Since with all your heart you crave to go with me, it shall not be denied you. We will go off by ourselves and have a good visit. You may ask me any question that arises in your heart, and we will comfort and console each other. You may start out carrying the lunch, and when you grow weary, I will help you. Follow on with me.”

177:1.3 (1921.1) Jesus did not return to the camp that evening until after sunset. The Master spent this last day of quiet on earth visiting with this truth-hungry youth and talking with his Paradise Father. This event has become known on high as “the day which a young man spent with God in the hills.” Forever this occasion exemplifies the willingness of the Creator to fellowship the creature. Even a youth, if the desire of the heart is really supreme, can command the attention and enjoy the loving companionship of the God of a universe, actually experience the unforgettable ecstasy of being alone with God in the hills, and for a whole day. And such was the unique experience of John Mark on this Wednesday in the hills of Judea.

177:1.4 (1921.2) Jesus visited much with John, talking freely about the affairs of this world and the next. John told Jesus how much he regretted that he had not been old enough to be one of the apostles and expressed his great appreciation that he had been permitted to follow on with them since their first preaching at the Jordan ford near Jericho, except for the trip to Phoenicia. Jesus warned the lad not to become discouraged by impending events and assured him he would live to become a mighty messenger of the kingdom.

177:1.5 (1921.3) John Mark was thrilled by the memory of this day with Jesus in the hills, but he never forgot the Master’s final admonition, spoken just as they were about to return to the Gethsemane camp, when he said: “Well, John, we have had a good visit, a real day of rest, but see to it that you tell no man the things which I told you.” And John Mark never did reveal anything that transpired on this day which he spent with Jesus in the hills.

177:1.6 (1921.4) Throughout the few remaining hours of Jesus’ earth life John Mark never permitted the Master for long to get out of his sight. Always was the lad in hiding near by; he slept only when Jesus slept.


2. Early Home Life


177:2.1 (1921.5) In the course of this day’s visiting with John Mark, Jesus spent considerable time comparing their early childhood and later boyhood experiences. Although John’s parents possessed more of this world’s goods than had Jesus’ parents, there was much experience in their boyhood which was very similar. Jesus said many things which helped John better to understand his parents and other members of his family. When the lad asked the Master how he could know that he would turn out to be a “mighty messenger of the kingdom,” Jesus said:

177:2.2 (1921.6) “I know you will prove loyal to the gospel of the kingdom because I can depend upon your present faith and love when these qualities are grounded upon such an early training as has been your portion at home. You are the product of a home where the parents bear each other a sincere affection, and therefore you have not been overloved so as injuriously to exalt your concept of self-importance. Neither has your personality suffered distortion in consequence of your parents’ loveless maneuvering for your confidence and loyalty, the one against the other. You have enjoyed that parental love which insures laudable self-confidence and which fosters normal feelings of security. But you have also been fortunate in that your parents possessed wisdom as well as love; and it was wisdom which led them to withhold most forms of indulgence and many luxuries which wealth can buy while they sent you to the synagogue school along with your neighborhood playfellows, and they also encouraged you to learn how to live in this world by permitting you to have original experience. You came over to the Jordan, where we preached and John’s disciples baptized, with your young friend Amos. Both of you desired to go with us. When you returned to Jerusalem, your parents consented; Amos’s parents refused; they loved their son so much that they denied him the blessed experience which you have had, even such as you this day enjoy. By running away from home, Amos could have joined us, but in so doing he would have wounded love and sacrificed loyalty. Even if such a course had been wise, it would have been a terrible price to pay for experience, independence, and liberty. Wise parents, such as yours, see to it that their children do not have to wound love or stifle loyalty in order to develop independence and enjoy invigorating liberty when they have grown up to your age.

177:2.3 (1922.1) “Love, John, is the supreme reality of the universe when bestowed by all-wise beings, but it is a dangerous and oftentimes semiselfish trait as it is manifested in the experience of mortal parents. When you get married and have children of your own to rear, make sure that your love is admonished by wisdom and guided by intelligence.

177:2.4 (1922.2) “Your young friend Amos believes this gospel of the kingdom just as much as you, but I cannot fully depend upon him; I am not certain about what he will do in the years to come. His early home life was not such as would produce a wholly dependable person. Amos is too much like one of the apostles who failed to enjoy a normal, loving, and wise home training. Your whole afterlife will be more happy and dependable because you spent your first eight years in a normal and well-regulated home. You possess a strong and well-knit character because you grew up in a home where love prevailed and wisdom reigned. Such a childhood training produces a type of loyalty which assures me that you will go through with the course you have begun.”

177:2.5 (1922.3) For more than an hour Jesus and John continued this discussion of home life. The Master went on to explain to John how a child is wholly dependent on his parents and the associated home life for all his early concepts of everything intellectual, social, moral, and even spiritual since the family represents to the young child all that he can first know of either human or divine relationships. The child must derive his first impressions of the universe from the mother’s care; he is wholly dependent on the earthly father for his first ideas of the heavenly Father. The child’s subsequent life is made happy or unhappy, easy or difficult, in accordance with his early mental and emotional life, conditioned by these social and spiritual relationships of the home. A human being’s entire afterlife is enormously influenced by what happens during the first few years of existence.

177:2.6 (1922.4) It is our sincere belief that the gospel of Jesus’ teaching, founded as it is on the father-child relationship, can hardly enjoy a world-wide acceptance until such a time as the home life of the modern civilized peoples embraces more of love and more of wisdom. Notwithstanding that parents of the twentieth century possess great knowledge and increased truth for improving the home and ennobling the home life, it remains a fact that very few modern homes are such good places in which to nurture boys and girls as Jesus’ home in Galilee and John Mark’s home in Judea, albeit the acceptance of Jesus’ gospel will result in the immediate improvement of home life. The love life of a wise home and the loyal devotion of true religion exert a profound reciprocal influence upon each other. Such a home life enhances religion, and genuine religion always glorifies the home.

177:2.7 (1923.1) It is true that many of the objectionable stunting influences and other cramping features of these olden Jewish homes have been virtually eliminated from many of the better-regulated modern homes. There is, indeed, more spontaneous freedom and far more personal liberty, but this liberty is not restrained by love, motivated by loyalty, nor directed by the intelligent discipline of wisdom. As long as we teach the child to pray, “Our Father who is in heaven,” a tremendous responsibility rests upon all earthly fathers so to live and order their homes that the word father becomes worthily enshrined in the minds and hearts of all growing children.


3. The Day at Camp


177:3.1 (1923.2) The apostles spent most of this day walking about on Mount Olivet and visiting with the disciples who were encamped with them, but early in the afternoon they became very desirous of seeing Jesus return. As the day wore on, they grew increasingly anxious about his safety; they felt inexpressibly lonely without him. There was much debating throughout the day as to whether the Master should have been allowed to go off by himself in the hills, accompanied only by an errand boy. Though no man openly so expressed his thoughts, there was not one of them, save Judas Iscariot, who did not wish himself in John Mark’s place.

177:3.2 (1923.3) It was about midafternoon when Nathaniel made his speech on “Supreme Desire” to about half a dozen of the apostles and as many disciples, the ending of which was: “What is wrong with most of us is that we are only halfhearted. We fail to love the Master as he loves us. If we had all wanted to go with him as much as John Mark did, he would surely have taken us all. We stood by while the lad approached the Master and offered him the basket, but when the Master took hold of it, the lad would not let go. And so the Master left us here while he went off to the hills with basket, boy, and all.”

177:3.3 (1923.4) About four o’clock, runners came to David Zebedee bringing him word from his mother at Bethsaida and from Jesus’ mother. Several days previously David had made up his mind that the chief priests and rulers were going to kill Jesus. David knew they were determined to destroy the Master, and he was about convinced that Jesus would neither exert his divine power to save himself nor permit his followers to employ force in his defense. Having reached these conclusions, he lost no time in dispatching a messenger to his mother, urging her to come at once to Jerusalem and to bring Mary the mother of Jesus and every member of his family.

177:3.4 (1923.5) David’s mother did as her son requested, and now the runners came back to David bringing the word that his mother and Jesus’ entire family were on the way to Jerusalem and should arrive sometime late on the following day or very early the next morning. Since David did this on his own initiative, he thought it wise to keep the matter to himself. He told no one, therefore, that Jesus’ family was on the way to Jerusalem.

177:3.5 (1924.1) Shortly after noon, more than twenty of the Greeks who had met with Jesus and the twelve at the home of Joseph of Arimathea arrived at the camp, and Peter and John spent several hours in conference with them. These Greeks, at least some of them, were well advanced in the knowledge of the kingdom, having been instructed by Rodan at Alexandria.

177:3.6 (1924.2) That evening, after returning to the camp, Jesus visited with the Greeks, and had it not been that such a course would have greatly disturbed his apostles and many of his leading disciples, he would have ordained these twenty Greeks, even as he had the seventy.

177:3.7 (1924.3) While all of this was going on at the camp, in Jerusalem the chief priests and elders were amazed that Jesus did not return to address the multitudes. True, the day before, when he left the temple, he had said, “I leave your house to you desolate.” But they could not understand why he would be willing to forgo the great advantage which he had built up in the friendly attitude of the crowds. While they feared he would stir up a tumult among the people, the Master’s last words to the multitude had been an exhortation to conform in every reasonable manner with the authority of those “who sit in Moses’ seat.” But it was a busy day in the city as they simultaneously prepared for the Passover and perfected their plans for destroying Jesus.

177:3.8 (1924.4) Not many people came to the camp, for its establishment had been kept a well-guarded secret by all who knew that Jesus was expecting to stay there in place of going out to Bethany every night.


4. Judas and the Chief Priests


177:4.1 (1924.5) Shortly after Jesus and John Mark left the camp, Judas Iscariot disappeared from among his brethren, not returning until late in the afternoon. This confused and discontented apostle, notwithstanding his Master’s specific request to refrain from entering Jerusalem, went in haste to keep his appointment with Jesus’ enemies at the home of Caiaphas the high priest. This was an informal meeting of the Sanhedrin and had been appointed for shortly after ten o’clock that morning. This meeting was called to discuss the nature of the charges which should be lodged against Jesus and to decide upon the procedure to be employed in bringing him before the Roman authorities for the purpose of securing the necessary civil confirmation of the death sentence which they had already passed upon him.

177:4.2 (1924.6) On the preceding day Judas had disclosed to some of his relatives and to certain Sadducean friends of his father’s family that he had reached the conclusion that, while Jesus was a well-meaning dreamer and idealist, he was not the expected deliverer of Israel. Judas stated that he would very much like to find some way of withdrawing gracefully from the whole movement. His friends flatteringly assured him that his withdrawal would be hailed by the Jewish rulers as a great event, and that nothing would be too good for him. They led him to believe that he would forthwith receive high honors from the Sanhedrin, and that he would at last be in a position to erase the stigma of his well-meant but “unfortunate association with untaught Galileans.”

177:4.3 (1924.7) Judas could not quite believe that the mighty works of the Master had been wrought by the power of the prince of devils, but he was now fully convinced that Jesus would not exert his power in self-aggrandizement; he was at last convinced that Jesus would allow himself to be destroyed by the Jewish rulers, and he could not endure the humiliating thought of being identified with a movement of defeat. He refused to entertain the idea of apparent failure. He thoroughly understood the sturdy character of his Master and the keenness of that majestic and merciful mind, yet he derived pleasure from even the partial entertainment of the suggestion of one of his relatives that Jesus, while he was a well-meaning fanatic, was probably not really sound of mind; that he had always appeared to be a strange and misunderstood person.

177:4.4 (1925.1) And now, as never before, Judas found himself becoming strangely resentful that Jesus had never assigned him a position of greater honor. All along he had appreciated the honor of being the apostolic treasurer, but now he began to feel that he was not appreciated; that his abilities were unrecognized. He was suddenly overcome with indignation that Peter, James, and John should have been honored with close association with Jesus, and at this time, when he was on the way to the high priest’s home, he was bent on getting even with Peter, James, and John more than he was concerned with any thought of betraying Jesus. But over and above all, just then, a new and dominating thought began to occupy the forefront of his conscious mind: He had set out to get honor for himself, and if this could be secured simultaneously with getting even with those who had contributed to the greatest disappointment of his life, all the better. He was seized with a terrible conspiracy of confusion, pride, desperation, and determination. And so it must be plain that it was not for money that Judas was then on his way to the home of Caiaphas to arrange for the betrayal of Jesus.

177:4.5 (1925.2) As Judas approached the home of Caiaphas, he arrived at the final decision to abandon Jesus and his fellow apostles; and having thus made up his mind to desert the cause of the kingdom of heaven, he was determined to secure for himself as much as possible of that honor and glory which he had thought would sometime be his when he first identified himself with Jesus and the new gospel of the kingdom. All of the apostles once shared this ambition with Judas, but as time passed they learned to admire truth and to love Jesus, at least more than did Judas.

177:4.6 (1925.3) The traitor was presented to Caiaphas and the Jewish rulers by his cousin, who explained that Judas, having discovered his mistake in allowing himself to be misled by the subtle teaching of Jesus, had arrived at the place where he wished to make public and formal renunciation of his association with the Galilean and at the same time to ask for reinstatement in the confidence and fellowship of his Judean brethren. This spokesman for Judas went on to explain that Judas recognized it would be best for the peace of Israel if Jesus should be taken into custody, and that, as evidence of his sorrow in having participated in such a movement of error and as proof of his sincerity in now returning to the teachings of Moses, he had come to offer himself to the Sanhedrin as one who could so arrange with the captain holding the orders for Jesus’ arrest that he could be taken into custody quietly, thus avoiding any danger of stirring up the multitudes or the necessity of postponing his arrest until after the Passover.

177:4.7 (1925.4) When his cousin had finished speaking, he presented Judas, who, stepping forward near the high priest, said: “All that my cousin has promised, I will do, but what are you willing to give me for this service?” Judas did not seem to discern the look of disdain and even disgust that came over the face of the hardhearted and vainglorious Caiaphas; his heart was too much set on self-glory and the craving for the satisfaction of self-exaltation.

177:4.8 (1926.1) And then Caiaphas looked down upon the betrayer while he said: “Judas, you go to the captain of the guard and arrange with that officer to bring your Master to us either tonight or tomorrow night, and when he has been delivered by you into our hands, you shall receive your reward for this service.” When Judas heard this, he went forth from the presence of the chief priests and rulers and took counsel with the captain of the temple guards as to the manner in which Jesus was to be apprehended. Judas knew that Jesus was then absent from the camp and had no idea when he would return that evening, and so they agreed among themselves to arrest Jesus the next evening (Thursday) after the people of Jerusalem and all of the visiting pilgrims had retired for the night.

177:4.9 (1926.2) Judas returned to his associates at the camp intoxicated with thoughts of grandeur and glory such as he had not had for many a day. He had enlisted with Jesus hoping some day to become a great man in the new kingdom. He at last realized that there was to be no new kingdom such as he had anticipated. But he rejoiced in being so sagacious as to trade off his disappointment in failing to achieve glory in an anticipated new kingdom for the immediate realization of honor and reward in the old order, which he now believed would survive, and which he was certain would destroy Jesus and all that he stood for. In its last motive of conscious intention, Judas’s betrayal of Jesus was the cowardly act of a selfish deserter whose only thought was his own safety and glorification, no matter what might be the results of his conduct upon his Master and upon his former associates.

177:4.10 (1926.3) But it was ever just that way. Judas had long been engaged in this deliberate, persistent, selfish, and vengeful consciousness of progressively building up in his mind, and entertaining in his heart, these hateful and evil desires of revenge and disloyalty. Jesus loved and trusted Judas even as he loved and trusted the other apostles, but Judas failed to develop loyal trust and to experience wholehearted love in return. And how dangerous ambition can become when it is once wholly wedded to self-seeking and supremely motivated by sullen and long-suppressed vengeance! What a crushing thing is disappointment in the lives of those foolish persons who, in fastening their gaze on the shadowy and evanescent allurements of time, become blinded to the higher and more real achievements of the everlasting attainments of the eternal worlds of divine values and true spiritual realities. Judas craved worldly honor in his mind and grew to love this desire with his whole heart; the other apostles likewise craved this same worldly honor in their minds, but with their hearts they loved Jesus and were doing their best to learn to love the truths which he taught them.

177:4.11 (1926.4) Judas did not realize it at this time, but he had been a subconscious critic of Jesus ever since John the Baptist was beheaded by Herod. Deep down in his heart Judas always resented the fact that Jesus did not save John. You should not forget that Judas had been a disciple of John before he became a follower of Jesus. And all these accumulations of human resentment and bitter disappointment which Judas had laid by in his soul in habiliments of hate were now well organized in his subconscious mind and ready to spring up to engulf him when he once dared to separate himself from the supporting influence of his brethren while at the same time exposing himself to the clever insinuations and subtle ridicule of the enemies of Jesus. Every time Judas allowed his hopes to soar high and Jesus would do or say something to dash them to pieces, there was always left in Judas’s heart a scar of bitter resentment; and as these scars multiplied, presently that heart, so often wounded, lost all real affection for the one who had inflicted this distasteful experience upon a well-intentioned but cowardly and self-centered personality. Judas did not realize it, but he was a coward. Accordingly was he always inclined to assign to Jesus cowardice as the motive which led him so often to refuse to grasp for power or glory when they were apparently within his easy reach. And every mortal man knows full well how love, even when once genuine, can, through disappointment, jealousy, and long-continued resentment, be eventually turned into actual hate.

177:4.12 (1927.1) At last the chief priests and elders could breathe easily for a few hours. They would not have to arrest Jesus in public, and the securing of Judas as a traitorous ally insured that Jesus would not escape from their jurisdiction as he had so many times in the past.


5. The Last Social Hour


177:5.1 (1927.2) Since it was Wednesday, this evening at the camp was a social hour. The Master endeavored to cheer his downcast apostles, but that was well-nigh impossible. They were all beginning to realize that disconcerting and crushing events were impending. They could not be cheerful, even when the Master recounted their years of eventful and loving association. Jesus made careful inquiry about the families of all of the apostles and, looking over toward David Zebedee, asked if anyone had heard recently from his mother, his youngest sister, or other members of his family. David looked down at his feet; he was afraid to answer.

177:5.2 (1927.3) This was the occasion of Jesus’ warning his followers to beware of the support of the multitude. He recounted their experiences in Galilee when time and again great throngs of people enthusiastically followed them around and then just as ardently turned against them and returned to their former ways of believing and living. And then he said: “And so you must not allow yourselves to be deceived by the great crowds who heard us in the temple, and who seemed to believe our teachings. These multitudes listen to the truth and believe it superficially with their minds, but few of them permit the word of truth to strike down into the heart with living roots. Those who know the gospel only in the mind, and who have not experienced it in the heart, cannot be depended upon for support when real trouble comes. When the rulers of the Jews reach an agreement to destroy the Son of Man, and when they strike with one accord, you will see the multitude either flee in dismay or else stand by in silent amazement while these maddened and blinded rulers lead the teachers of the gospel truth to their death. And then, when adversity and persecution descend upon you, still others who you think love the truth will be scattered, and some will renounce the gospel and desert you. Some who have been very close to us have already made up their minds to desert. You have rested today in preparation for those times which are now upon us. Watch, therefore, and pray that on the morrow you may be strengthened for the days that are just ahead.”

177:5.3 (1927.4) The atmosphere of the camp was charged with an inexplicable tension. Silent messengers came and went, communicating with only David Zebedee. Before the evening had passed, certain ones knew that Lazarus had taken hasty flight from Bethany. John Mark was ominously silent after returning to camp, notwithstanding he had spent the whole day in the Master’s company. Every effort to persuade him to talk only indicated clearly that Jesus had told him not to talk.

177:5.4 (1928.1) Even the Master’s good cheer and his unusual sociability frightened them. They all felt the certain drawing upon them of the terrible isolation which they realized was about to descend with crashing suddenness and inescapable terror. They vaguely sensed what was coming, and none felt prepared to face the test. The Master had been away all day; they had missed him tremendously.

177:5.5 (1928.2) This Wednesday evening was the low-tide mark of their spiritual status up to the actual hour of the Master’s death. Although the next day was one more day nearer the tragic Friday, still, he was with them, and they passed through its anxious hours more gracefully.

177:5.6 (1928.3) It was just before midnight when Jesus, knowing this would be the last night he would ever sleep through with his chosen family on earth, said, as he dispersed them for the night: “Go to your sleep, my brethren, and peace be upon you till we rise on the morrow, one more day to do the Father’s will and experience the joy of knowing that we are his sons.”

 

Documento 177

Quarta-Feira, o Dia de Descanso

177:0.1 (1920.1) QUANDO o trabalho de ensinar ao povo dava-lhes uma folga, o costume de Jesus e dos seus apóstolos era descansar das suas atividades às quartas-feiras. Em particular nessa quarta-feira eles tomaram o desjejum um pouco mais tarde do que de costume, e o acampamento encontrava-se invadido por um silêncio agourento; pouco foi dito durante a primeira parte da refeição matinal. Finalmente Jesus falou: “Desejo que descanseis por hoje. Tirai o tempo para pensar sobre tudo o que aconteceu, desde que viemos para Jerusalém, e para meditar sobre o que temos pela frente e sobre tudo o que eu já vos esclareci com clareza. Assegurai-vos de que a verdade esteja nas vossas vidas; e que diariamente ireis crescer em graça”.

177:0.2 (1920.2) Após o desjejum o Mestre informou a André que tinha a intenção de ausentar- se durante aquele dia e sugeriu que fosse permitido aos apóstolos passar o tempo de acordo com a própria escolha, exceto que sob nenhuma circunstância deveriam passar pelos portões de Jerusalém.

177:0.3 (1920.3) Quando estava pronto para ir sozinho às colinas, Davi Zebedeu aproximou- se dele, dizendo: “Bem sabeis, Mestre, que os fariseus e os dirigentes buscam destruir-te, e ainda assim estás pronto para ir até as colinas sozinho. Fazer isso é loucura; e, portanto, eu vou enviar três homens bem preparados contigo, para cuidar de que nenhum mal te seja feito”. Jesus olhou para os três galileus fortes e bem armados e disse a Davi: “A tua intenção é boa, mas tu te equivocas ao não compreender que o Filho do Homem não necessita de ninguém para defendê-lo. Nenhum homem colocará as mãos em mim até a hora em que eu estiver pronto para entregar a minha vida, em conformidade com a vontade do meu Pai. Esses homens não podem acompanhar-me. Eu desejo ir só, para poder comungar com o Pai”.

177:0.4 (1920.4) Ao ouvir essas palavras, Davi e os seus guardas armados retiraram-se; mas, quando Jesus saiu só, João Marcos adiantou-se com uma pequena cesta contendo comida e água e sugeriu que, se a intenção dele era ficar fora o dia inteiro, ele poderia sentir fome. O Mestre sorriu para João e abaixou a mão para pegar a cesta.

 

1. Um Dia a Sós com Deus

 

177:1.1 (1920.5) Jesus estava para pegar a cesta de lanche da mão de João, quando o jovem aventurou-se a dizer: “Mas, Mestre, é possível que abandones a cesta no chão, enquanto ficas de lado para orar, e que sigas sem ela. Além disso, se eu fosse junto para carregar o lanche, ficarias mais livre para adorar; e eu por certo me manterei em silêncio. Não farei perguntas e permanecerei perto da cesta quando tu te separares para orar a sós”.

177:1.2 (1920.6) Enquanto dizia essas coisas, cuja temeridade surpreendeu alguns dos ouvintes por ali, João teve a audácia de segurar a cesta. E lá ficaram eles, João e Jesus, ambos segurando a cesta. Mas logo o Mestre soltou-a e, olhando para baixo até o rapaz, disse: “Já que desejas ir comigo de todo o teu coração, isso não te será negado. Iremos juntos e teremos uma boa conversa. Tu podes perguntar-me qualquer coisa que surja no teu coração, e nos confortaremos e nos consolaremos mutuamente. Podes começar levando o lanche e, quando cansares, eu te ajudarei. Então me segue”.

177:1.3 (1921.1) Jesus só retornou ao acampamento naquela tarde depois do pôr-do-sol. O Mestre passou o último dia de tranqüilidade na Terra conversando com esse jovem faminto da verdade; e falando com o seu Pai do Paraíso. Esse acontecimento tornou-se conhecido no alto como “o dia que um jovem passou com Deus, nas colinas”. Essa ocasião exemplifica para sempre a boa vontade do Criador de confraternizar-se com a criatura. Mesmo um adolescente, se o desejo do seu coração é realmente supremo, pode atrair a atenção, desfrutar da companhia plena de amor do Deus de um universo e experimentar verdadeiramente o inesquecível êxtase de estar a sós com Deus nas colinas; e durante um dia inteiro. E essa foi a experiência única de João Marcos, nessa quarta-feira nas colinas da Judéia.

177:1.4 (1921.2)Jesus conversou muito com João, falando livremente sobre os assuntos deste mundo e do próximo. João disse a Jesus sobre o quanto ele lamentara não ter tido idade suficiente para ser um dos apóstolos e expressou o seu grande reconhecimento por ter-lhe sido permitido seguir sempre com eles, exceto na viagem à Fenícia, desde a primeira pregação dos apóstolos no vau do Jordão, perto de Jericó. Jesus advertiu ao rapaz para não se desencorajar com os acontecimentos iminentes e assegurou-lhe de que ele viveria para tornar-se um mensageiro poderoso do Reino.

177:1.5 (1921.3) João Marcos ficaria sempre emocionado com a lembrança desse dia com Jesus nas colinas, e nunca se esqueceria da recomendação final do Mestre, feita quando eles estavam para voltar ao acampamento do Getsêmani, com o seguinte teor: “Bem, João, tivemos uma boa conversa, um dia de descanso verdadeiro, mas procura não contar a nenhum homem as coisas que eu disse”. E João Marcos nunca revelou nada do que havia sucedido nesse dia que ele passou com Jesus nas colinas.

177:1.6 (1921.4) Durante as poucas horas que restavam da vida terrena de Jesus, João Marcos nunca permitiu que o Mestre saísse da sua vista por muito tempo. O garoto estava sempre escondido por perto; e só adormecia depois que Jesus dormia.

 

2. A Infância no Lar

 

177:2.1 (1921.5) No transcurso das conversas com João Marcos nesse dia, Jesus passou um tempo considerável comparando as experiências das infâncias e adolescências de ambos. Embora os pais de João possuíssem mais bens deste mundo do que os pais de Jesus, ambos haviam passado por muitas experiências bastante semelhantes na infância. Jesus disse muitas coisas que ajudaram João a entender melhor os seus pais e outros membros da sua família. Quando o jovem perguntou ao Mestre como podia saber que ele se tornaria um “mensageiro poderoso do Reino”, Jesus disse:

177:2.2 (1921.6) “Sei que te mostrarás leal ao evangelho do Reino porque posso confiar na tua fé e no amor que tens atualmente, já que essas qualidades são baseadas em uma educação, vinda da tua casa, desde bem cedo. Tu és o produto de um lar em que os pais têm uma afeição mútua sincera e onde não te amaram em excesso, de modo a exaltar prejudicialmente a tua idéia da própria importância. Nem a tua personalidade sofreu deformação em conseqüência das manobras sem amor na luta dos teus pais, um contra o outro, para ganhar a tua confiança e lealdade. Tu desfrutaste daquele amor paternal que assegura uma autoconfiança louvável e que fomenta sentimentos normais de segurança. Mas foste também afortunado, porque os teus pais tinham de sabedoria tanto quanto de amor, e foi a sabedoria que os levou a negar-te a maior parte das satisfações e muitos dos luxos que a riqueza pode comprar, pois eles te enviaram para a escola da sinagoga junto com os teus amigos da vizinhança, e eles também te encorajaram a aprender como viver neste mundo permitindo-te que tivesses uma experiência original. Tu vieste, com o teu jovem amigo Amós, até o Jordão, onde pregávamos e os discípulos de João batizavam. Os dois quiseram acompanhar-nos. Quando voltaste para Jerusalém, os teus pais consentiram; os pais de Amós recusaram-se a dar o consentimento; eles amavam tanto o filho que negaram a ele a experiência abençoada que tu tiveste, e da qual ainda desfrutas hoje. Amós poderia ter fugido de casa, e poderia ter-se juntado a nós, mas se o fizesse ele teria ferido o amor e sacrificado a lealdade. Ainda que esse caminho tivesse sido sábio, teria sido um preço terrível a ser pago pela experiência, pela independência e pela liberdade. Pais sábios, como os teus, cuidam de que os seus filhos não tenham que ferir o amor, nem abafar a lealdade, para desenvolver uma independência e desfrutar de uma liberdade revigorantes, quando chegam à tua idade.

177:2.3 (1922.1) “O amor, João, é a realidade suprema do universo quando é dado por seres infinitamente sábios; mas, do modo como se manifesta na experiência de pais mortais, ele apresenta um traço perigoso muitas vezes semi-egoísta. Quando casares e tiveres que criar os próprios filhos, assegura-te de que teu amor seja aconselhado pela sabedoria e guiado pela inteligência.

177:2.4 (1922.2) “O teu jovem amigo Amós acredita neste evangelho do Reino tanto quanto tu, mas não posso confiar totalmente nele; não estou certo do que ele fará, nos anos que virão. A vida dele na infância não se deu de um modo tal a produzir uma pessoa totalmente confiável. Amós é muito semelhante a um dos apóstolos que não teve uma educação normal, afetuosa e sábia em casa. Toda a tua vida futura será mais feliz e confiável porque passaste os teus primeiros oito anos em um lar normal e bem regrado. Tu possuis um caráter forte e bem integrado porque cresceste em um lar onde predominava o amor e reinava a sabedoria. Uma educação assim na infância produz um tipo de lealdade que me assegura que tu irás continuar no caminho em que começaste”.

177:2.5 (1922.3) Por mais de uma hora Jesus e João continuaram essa conversa sobre a vida no lar. O Mestre prosseguiu explicando a João como uma criança é totalmente dependente dos seus pais e da vida ligada ao lar, para todos os seus conceitos iniciais sobre todas as coisas intelectuais, sociais, morais e mesmo espirituais, pois a família representa para a criança pequena tudo o que ela pode conhecer primeiramente, tanto das relações humanas, quanto das divinas. A criança deve tirar dos cuidados da mãe as suas primeiras impressões sobre o universo; ela é totalmente dependente do pai terreno para formar as suas primeiras idéias do Pai celeste. A vida subseqüente da criança torna-se feliz ou infeliz, fácil ou difícil, segundo a sua vida mental e emocional inicial, e é condicionada por essas relações sociais e espirituais no lar. Toda a vida de um ser humano é influenciada enormemente por aquilo que acontece durante os primeiros anos de sua existência.

177:2.6 (1922.4) Acreditamos sinceramente que o evangelho contido nos ensinamentos de Jesus, baseados que são na relação pai-filho, dificilmente poderá desfrutar de uma aceitação mundial até o momento em que a vida familiar, dos povos civilizados modernos, abranja mais amor e mais sabedoria. Não obstante os pais deste século possuírem um grande conhecimento e uma verdade maior, para melhorar o lar e enobrecer a vida no lar, continua sendo uma verdade que, para educar os meninos e as meninas, poucos lares modernos são bons quanto o foram os lares de Jesus na Galiléia e de João Marcos na Judéia, se bem que a aceitação do evangelho de Jesus tenha como resultado um aperfeiçoamento imediato da vida no lar. A vida baseada no amor de um lar sábio e na devoção leal da verdadeira religião exercem uma profunda influência mútua e recíproca. A vida em um lar assim intensifica a religião, e a religião genuína sempre glorifica o lar.

177:2.7 (1923.1) É bem verdade que muitas influências, atrofiadas e repreensíveis, exatamente como outras tendências restritivas desses antigos lares judeus hajam já sido eliminadas virtualmente em muitos dos lares modernos mais bem regrados. Há, de fato, uma independência mais espontânea e mais liberdade pessoal; essa liberdade, todavia, não é contida pelo amor, nem motivada pela lealdade, nem orientada pela disciplina inteligente da sabedoria. Enquanto ensinamos as crianças a orar, “Pai nosso que estais no céu”, uma grande responsabilidade recai sobre todos os pais terrenos, de viver e ordenar os seus lares para que a palavra pai fique conservada condignamente nas mentes e nos corações de todas as crianças em crescimento.

 

3. O Dia no Acampamento

 

177:3.1 (1923.2) Os apóstolos passaram a maior parte do dia caminhando pelo monte das Oliveiras e conversando com os discípulos que estavam acampados com eles, mas no início da tardinha ficaram muito desejosos de ver Jesus retornar. Com o decorrer do dia, inquietaram-se cada vez mais quanto à segurança dele; e, sem ele, sentiram-se inexprimivelmente sós. Houve muito debate durante o dia sobre se se deveria ter permitido ao Mestre sair sozinho pelas colinas, acompanhado apenas por um garoto de recados. Embora nenhum homem exprimisse abertamente os seus pensamentos, não havia nenhum entre eles, salvo Judas Iscariotes, que não preferisse estar no lugar de João Marcos.

177:3.2 (1923.3) Foi no meio da tarde que Natanael fez o seu discurso sobre “O Desejo Supremo”, para cerca de meia dúzia de apóstolos e meia dúzia de discípulos; concluindo o discurso desta forma: “O que há de errado com a maioria de nós é que nos entregamos apenas com a metade do nosso coração. Não amamos ao Mestre como ele nos ama. Se quiséssemos todos, tanto quanto João Marcos, ir junto, ele certamente nos teria levado a todos. Ficamos quietos; já o rapaz aproximou- se do Mestre e ofereceu-lhe a cesta e, quando o Mestre pegou-a, o jovem não a soltou. E assim o Mestre nos deixou aqui, enquanto foi para as colinas com a cesta, o rapaz e tudo”.

177:3.3 (1923.4) Por volta de quatro horas, alguns corredores chegaram até Davi Zebedeu, trazendo-lhe notícias da sua mãe em Betsaida e da mãe de Jesus. Vários dias antes, Davi havia concluído que os sacerdotes principais e os dirigentes iam matar Jesus. Davi sabia que eles estavam determinados a destruir o Mestre, e achava-se convencido de que Jesus não iria exercer o seu poder divino para salvar- se, nem permitir aos seus seguidores que empregassem força em sua defesa. Tendo chegado a essas conclusões, ele não perdeu tempo e despachou um mensageiro até a sua mãe, instando-lhe para que viesse imediatamente a Jerusalém e que trouxesse Maria, a mãe de Jesus, e todos os membros da família dele.

177:3.4 (1923.5) A mãe de Davi fez como o filho lhe havia pedido, e agora os corredores voltavam a Davi trazendo a notícia de que a sua mãe e toda a família de Jesus estavam a caminho de Jerusalém, e deveriam chegar no final do dia seguinte ou na manhã subseqüente. Já que Davi tinha feito isso por sua própria iniciativa, ele pensou que seria prudente guardar consigo essa informação. E não contou a ninguém, portanto, que a família de Jesus estava a caminho de Jerusalém.

177:3.5 (1924.1) Pouco depois do meio-dia, mais de vinte daqueles gregos que tinham estado com Jesus e os doze, na casa de José de Arimatéia, chegaram ao acampamento; e Pedro e João passaram várias horas em conversa com eles. Esses gregos, ou ao menos alguns deles, estavam bastante avançados nos conhecimentos do Reino, tendo sido instruídos por Rodam, em Alexandria.

177:3.6 (1924.2) Naquela noite, depois de retornar ao acampamento, Jesus conversou com os gregos, e ele teria ordenado esses vinte gregos, tal como havia feito com os setenta, não tivesse sido pelo fato de que uma ação assim teria deixado os seus apóstolos e muitos dos seus discípulos principais bastante perturbados.

177:3.7 (1924.3) Enquanto tudo isso acontecia no acampamento, em Jerusalém os sacerdotes principais e os anciães ficaram surpreendidos por Jesus não ter voltado para falar às multidões. Na verdade, no dia anterior, quando deixou o templo, ele disse: “Entregue a vós fica a vossa própria casa, em desolação”. Mas eles não podiam entender por que ele estava disposto a renunciar à vantagem tão grande que tinha conseguido em vista da atitude amistosa da multidão. Embora eles temessem que ele fosse instigar na multidão um tumulto, as últimas palavras do Mestre diante dela tinham sido uma exortação para que ficasse, de todas as maneira razoáveis, em conformidade com a autoridade daqueles “que se colocavam no assento de Moisés”. Era um dia movimentado na cidade, pois simultaneamente preparavam-se para a Páscoa e aperfeiçoavam os seus planos para destruir Jesus.

177:3.8 (1924.4) Não veio muita gente ao acampamento, pois o seu estabelecimento tinha sido mantido como um segredo bem guardado por todos aqueles que sabiam da importância de ficar lá, para Jesus, em vez de ir a Betânia todas as noites.

 

4. Judas e os Sacerdotes Principais

 

177:4.1 (1924.5) Pouco depois de Jesus e João Marcos haverem deixado o acampamento, Judas Iscariotes desapareceu de perto dos seus irmãos, não retornando senão no final da tarde. Esse apóstolo confuso e descontente foi até Jerusalém, não obstante o pedido específico do seu Mestre para que se abstivessem todos de entrar nos seus portões. Ele foi até lá, às pressas, para comparecer ao encontro com os inimigos de Jesus, na casa de Caifás, o sumo sacerdote. Tratava-se de uma reunião informal do sinédrio e havia sido marcada para pouco depois das dez horas, naquela manhã. Essa reunião foi convocada para discutir-se a natureza das acusações que seriam apresentadas contra Jesus e para decidir-se sobre o procedimento a ser empregado para trazê-lo perante as autoridades romanas, com o propósito de assegurar a confirmação civil necessária para a sentença de morte já decretada por eles.

177:4.2 (1924.6) No dia anterior, Judas havia revelado a alguns dos seus parentes e amigos saduceus da família do seu pai, que chegara à conclusão de que, não obstante ser um sonhador bem-intencionado e idealista, Jesus não era o libertador esperado de Israel. Judas declarou que gostaria muito de encontrar o jeito de retirar-se de uma maneira honrosa do movimento. Os seus amigos asseguraram- lhe, de um modo lisonjeiro para ele, que a sua retirada seria saudada pelos dirigentes judeus como um grande acontecimento, e que nenhuma recompensa ficaria exagerada para ele. Eles levaram-no a acreditar que, incontinenti, iria receber altas honrarias do sinédrio e que, ao final, ele ficaria em uma posição de apagar o estigma da sua bem-intencionada, mas “infeliz ligação com os galileus incultos”.

177:4.3 (1924.7) Judas não podia de fato crer que as poderosas obras do Mestre tivessem sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios, e agora estava plenamente convencido de que Jesus não exerceria nenhum poder para se auto-engrandecer; e, finalmente, se achava convicto de que Jesus permitir-se-ia ser destruído pelos dirigentes judeus. E que, quanto a ele próprio, não poderia ele resistir ao pensamento humilhante de ser identificado com um movimento derrotado. Judas recusava-se a alimentar a idéia de que aquele era um fracasso apenas aparente. Ele entendia profundamente o caráter firme do seu Mestre e a agudeza da sua mente majestosa e misericordiosa, e ainda assim ele recebia com prazer, se bem que parcialmente, a sugestão de um dos seus parentes, de que Jesus, conquanto fosse um fanático bem-intencionado, provavelmente não estivesse com a mente sã, pois que dera sempre a impressão de ser uma pessoa estranha e mal-compreendida.

177:4.4 (1925.1) E agora, mais do que nunca, Judas sentia-se estranhamente ressentido de que Jesus nunca o tivesse designado para uma posição de maior dignidade. Durante todo esse tempo ele havia apreciado a honra de ser o tesoureiro apostólico, agora, no entanto, ele começava a sentir que não tinha sido valorizado; e que não teve reconhecimento pelas suas capacidades. E, de súbito, ele estava tomado de indignação com o fato de que Pedro, Tiago e João tivessem sido honrados pela ligação estreita com Jesus e, nesse momento, quando se encontrava a caminho da casa do alto sacerdote, tinha a mente preocupada mais com uma revanche com Pedro, Tiago e João, do que com qualquer pensamento de trair Jesus. Mas, acima de tudo, exatamente então, um pensamento novo e dominante começou a ocupar o primeiro plano da sua mente consciente: ele tinha planejado conseguir honrarias para si próprio e, caso isso pudesse ser conseguido simultaneamente com uma revanche contra aqueles que tinham contribuído para o maior desapontamento da sua vida, tanto melhor. Ele estava tomado por uma conspiração terrível, formada de confusão, de orgulho, de desespero e de resolução. E, assim, pois, deve ficar claro que não foi por dinheiro que Judas pôs-se então a caminho da casa de Caifás, para preparar a traição a Jesus.

177:4.5 (1925.2) Quando Judas aproximou-se da casa de Caifás, ele chegou à decisão final de abandonar Jesus e os seus companheiros apóstolos; e, tendo assim decidido desertar a causa do Reino do céu, ele determinou-se a assegurar para si próprio a maior parte possível daquela honra e glória que, logo no início, ao identificar- se com Jesus e o novo evangelho do Reino, pensara que lhe caberia algum dia. Todos os apóstolos, alguma vez, compartilharam dessa ambição com Judas; no entanto, com o passar do tempo, eles aprenderam a admirar a verdade e a amar Jesus, pelo menos mais do que Judas amou.

177:4.6 (1925.3) O traidor foi apresentado a Caifás e aos dirigentes judeus pelo seu primo, o qual explicou que Judas, depois de descobrir o seu erro de se ter deixado desviar pelo ensinamento hábil de Jesus, havia chegado a ponto de desejar fazer uma renúncia pública e formal da sua ligação com o galileu e, ao mesmo tempo, pedir o seu restabelecimento na confiança e na fraternidade dos seus irmãos judeus. Esse porta-voz de Judas continuou a explicar que Judas reconhecia como melhor, para a paz de Israel, se Jesus fosse tomado em custódia, e por isso, e como evidência do seu arrependimento de ter participado de um tal movimento equivocado e como prova da sua sinceridade ao voltar aos ensinamentos de Moisés, ele vinha para oferecer-se ao sinédrio como alguém que podia arranjar, com o capitão que tinha as ordens de prender Jesus, para que ele fosse tomado em custódia tranqüilamente, evitando assim qualquer perigo de agitar as multidões ou a necessidade de adiar a sua prisão para depois da Páscoa.

177:4.7 (1925.4) Quando esse primo terminou de falar, ele apresentou Judas, que, aproximando- se do sumo sacerdote, disse: “Tudo o que o meu primo prometeu, eu farei, mas o que estais dispostos a dar-me por esse serviço?” Judas não parecia discernir o olhar de desdém e mesmo de repugnância que vinha à face do orgulhoso e desumano Caifás; o coração de Judas estava todo voltado para a própria glória, almejando satisfazer a exaltação de si próprio.

177:4.8 (1926.1) E Caifás abaixou então o seu olhar até o traidor, enquanto dizia: “Judas, vai ao capitão da guarda e arranja com aquele oficial para que tragam o teu Mestre a nós nesta noite ou na noite de amanhã e, quando ele houver sido entregue por ti nas nossas mãos, receberás tua recompensa por esse serviço”. Quando Judas ouviu isso, saiu da presença dos sacerdotes principais e dos dirigentes para conferenciar, com o capitão da guarda do templo, sobre a maneira pela qual Jesus devia ser apreendido. Judas sabia que Jesus estava ausente do acampamento naquele momento e não fazia idéia da hora em que ele voltaria naquela noite e, pois, assim, eles concordaram entre si em prender Jesus na noite seguinte (de quinta-feira), depois que o povo de Jerusalém e todos os peregrinos visitantes estivessem recolhidos para dormir.

177:4.9 (1926.2) Judas retornou para os seus colegas no acampamento, intoxicado por pensamentos de grandeza e glória como há muito tempo não os tivera. Ele havia-se alistado junto a Jesus, esperando algum dia tornar-se um grande homem naquele novo Reino. Ao final entendeu que não existia nenhum reino tal como ele tinha antevisto. Mas rejubilava-se por ter sido tão sagaz em trocar o seu desencanto por não ter alcançado a glória antecipada em um novo reino, pela realização imediata de honra e de recompensa na velha ordem, que, agora, acreditava que sobreviveria; ele estava certo de que ela iria destruir Jesus e a tudo o que ele representava. Na sua última motivação de intenção consciente, a traição de Judas a Jesus foi um ato covarde de um desertor egoísta, cujo único pensamento era a sua própria segurança e glorificação, não importando quais resultados pudessem advir da sua conduta, para com o seu Mestre e os seus antigos companheiros.

177:4.10 (1926.3) Mas foi sempre exatamente assim. Judas tinha há muito tempo engajado- se nessa consciência deliberada, persistente, egoísta e vingativa de construir de forma progressiva na sua mente e colocar no seu coração esses desejos de ódio e de mal, de vingança e de deslealdade. Jesus amou e confiou em Judas, do mesmo modo que amou e confiou nos outros apóstolos, mas Judas não conseguiu desenvolver uma confiança leal, nem experimentou retribuir com um amor de todo o seu coração. E quão perigosa a ambição pode tornar-se, uma vez que esteja totalmente casada com o egoísmo e sob a motivação suprema de uma vingança sombria e longamente contida! Que coisa esmagadora é a decepção nas vidas daquelas pessoas tolas que, ao fixarem as suas vistas nos atrativos obscuros e evanescentes do tempo, se tornam cegas para as realizações superiores e mais reais, de alcance permanente, nos mundos eternos dos valores divinos e das realidades espirituais verdadeiras. Na sua mente Judas ansiava por honras terrenas, e chegou a amar esse desejo de todo o seu coração; os outros apóstolos, do mesmo modo, ansiaram por essa mesma honra mundana nas suas mentes, mas com os seus corações eles amaram Jesus e estavam dando o melhor de si para aprender a amar as verdades que ele lhes ensinou.

177:4.11 (1926.4) Naquele momento, Judas não se deu conta disso, mas tinha sido subconscientemente um crítico de Jesus, desde que João Batista fora decapitado por Herodes. No fundo do seu coração, Judas sempre se ressentiu do fato de Jesus não ter salvado João. Não vos deveis esquecer de que Judas havia sido discípulo de João, antes de tornar-se seguidor de Jesus. Todos esses acúmulos de ressentimentos humanos e de decepções amargas guardados por Judas na sua alma, sob as vestes do ódio, estavam agora bem organizados na sua mente subconsciente, e prontos para emergir e tragá-lo tão logo ele ousasse separar-se da influência protetora dos seus irmãos, expondo a si próprio, ao mesmo tempo, às insinuações espertas e aos escárnios agudos dos inimigos de Jesus. Todas as vezes que Judas permitiu que as suas esperanças soassem alto, e que Jesus realizava ou dizia algo para fazê-las despencarem-se, sempre, era deixada no coração de Judas uma cicatriz de ressentimento amargo; e, como essas cicatrizes multiplicaram-se rapidamente, o coração, tão freqüentemente ferido, perdeu toda a afeição real por aquele que havia infligido essa experiência desagradável a uma personalidade bem-intencionada, mas covarde e egocêntrica. Judas não deu por si, mas ele era um covarde. E, desse modo, ele estava sempre inclinado a considerar a covardia como sendo o que, freqüentemente, levava Jesus a recusar-se a agarrar o poder ou a glória quando eles aparentemente estavam a um fácil alcance. E todo homem mortal sabe plenamente bem que o amor, ainda que tendo sido genuíno, pode, por meio da decepção, do ciúme e de um contínuo ressentimento, ser transformado finalmente em ódio verdadeiro.

177:4.12 (1927.1) Afinal, os sacerdotes principais e os anciães puderam respirar tranqüilamente por umas poucas horas. Eles não teriam que prender Jesus em público, e a garantia de Judas, como um aliado traidor, assegurava que Jesus não escaparia da jurisdição deles, como o tinha conseguido tantas vezes no passado.

 

5. A Última Hora de Reunião Social

 

177:5.1 (1927.2) Pelo fato de ser quarta-feira, aquela noite no acampamento foi de reunião social. O Mestre empenhava-se em alegrar os seus apóstolos abatidos, embora isso fosse quase impossível. Todos começavam a compreender que acontecimentos desconcertantes e arrasadores estavam na iminência de acontecer. Eles não podiam estar alegres, mesmo quando o Mestre recordou os anos repletos de uma associação afetuosa e de acontecimentos. Jesus inquirira cuidadosamente sobre as famílias de todos os apóstolos e, olhando para Davi Zebedeu, perguntou se alguém tinha notícias recentes da mãe dele e da sua irmã mais jovem, ou de outros membros da família. Davi olhou para os próprios pés; teve medo de responder.

177:5.2 (1927.3) Essa foi a ocasião em que Jesus advertiu aos seus seguidores para que tomassem cuidado com o apoio das multidões. Recordou as suas experiências na Galiléia, quando, muitas vezes, grandes multidões de pessoas que os seguiram com entusiasmo mas, de súbito, ardentemente, voltavam-se contra eles e retornavam aos seus caminhos antigos de crença e de vida. E então ele disse: “E assim, não deveis permitir que fiqueis decepcionados com as grandes multidões, as quais já nos ouviram no templo e aparentemente demonstraram acreditar nos nossos ensinamentos. Essas multidões escutam a verdade e acreditam nela, superficialmente, com suas mentes, mas poucas pessoas dentre elas permitem que a palavra da verdade se lhes alcance, com raízes vivas, o coração. Aqueles que conhecem o evangelho apenas pela mente, não o havendo experimentado no coração, não podem ser confiáveis para dar apoio quando vierem os verdadeiros problemas. Quando os dirigentes dos judeus entrarem num acordo para destruir o Filho do Homem, e quando derem sua estocada uníssona, vereis a multidão fugir em desânimo ou então ficar atônita, em silêncio, enquanto esses dirigentes enlouquecidos e cegos conduzem à morte os instrutores da verdade do evangelho. E, então, quando a adversidade e a perseguição descerem sobre vós, outros existirão ainda, os quais julgais serem amantes da verdade, que se dispersarão e alguns renunciarão ao evangelho e desertar-vos-ão. Alguns que estiveram bem perto de nós já decidiram desertar. Vós descansastes hoje em preparação para os tempos que virão em breve. Vigiai, pois, e orai, para que amanhã possais estar fortalecidos para os dias que temos pela frente”.

 

177:5.3 (1927.4) A atmosfera do acampamento estava carregada de uma tensão inexplicável. Mensageiros em silêncio iam e vinham, comunicando-se apenas com Davi Zebedeu. Antes de terminar a noitinha, alguns sabiam que Lázaro havia fugido, apressadamente, de Betânia. João Marcos permanecia sinistramente silencioso, após retornar ao acampamento, não obstante tivesse passado o dia inteiro na companhia do Mestre. Cada esforço para persuadi-lo a falar apenas indicava claramente que Jesus tinha dito a ele para nada contar.

 

177:5.4 (1928.1) Mesmo o bom humor do Mestre e a sua sociabilidade inusitada amedrontavam a todos. Todos sentiam a aproximação certa de um isolamento terrível que, eles compreendiam, cairia sobre eles com uma rapidez esmagadora e um terror inescapável. Vagamente pressentiam o que viria, e nenhum deles se achava preparado para enfrentar a prova. O Mestre tinha estado fora o dia inteiro; e eles haviam sentido a sua falta muito intensamente.

 

177:5.5 (1928.2) Essa quarta-feira à noite marcou o ponto mais baixo do status espiritual deles, até a hora real da morte do Mestre. Embora o dia seguinte estivesse um dia mais próximo da trágica sexta-feira; ainda assim, Jesus estava entre eles; e todos puderam passar por aquelas horas ansiosas um pouco mais condignamente.

 

177:5.6 (1928.3) Era um pouco antes da meia-noite quando Jesus, sabendo que esta seria a última noite que ele passaria dormindo junto à sua família escolhida na Terra, disse, ao dispersar a todos para dormir: “Ide, para o vosso sono, meus irmãos, e a paz esteja convosco até que nos levantemos amanhã, um dia a mais para fazer a vontade do Pai e experimentar a alegria de saber que somos filhos Seus”.